Um pontinho...

Não sei se interessa a vocês, mas acaba (em termos, já faz mais de 9 meses) de sair um tomo chamado New Kind of Science, do físico inglês Stephen Wolfram. Cientista notório porque foi um desses gênios precoces, tirou o doutorado em Física aos 20 anos na Caltech, que vingaram. Suas duas grandes contribuições foram um software de desenvolvimento de programas matemáticos, chamado Mathematica, e algumas idéias importantes na área de automatos celulares. Automato celular é o jargão matemático para descrever sistemas semelhantes ao famoso jogo da vida.

A idéia do livro é apresentar o resultado de dez anos de reclusão do obstinado e extremamente excêntrico Wolfram. Sua pesquisa, toda ela feita através de exploração usando programas de computador, foi basicamente financiada por sua fortuna pessoal, construida a partir da venda do software Mathematica. A justificativa dele para não publicar seus "resultados" em jornais acadêmicos, e participar da comunidade científica é que ele desejava apresentar todas suas idéias de uma só vez. Segundo ele, elas são extremamente revolucionárias e constintuem uma nova forma de ciência, que colocaria ele, Wolfram, em pé de igualdade a Darwin e Newton.

O livro, segundo o próprio autor, é escrito de forma que o leitor não necessita de prérequisito nenhum (eu acrescentaria, além de uma boa dose de paciência). O material de apoio necessário para compreender suas idéias é algebra e física que vemos rotineiramente no 2o grau. E como Wolfram diz, se trata de uma "nova forma de ciência". A máxima do livro é que programas simples e curtos podem produzir fenômenos extremamente complexos. Ele constroi um automato celular simples que produz padrões visuais extremamente complexos. Munido dessa idéia, ele propõe "novos modelos" para a Física, Biologia, Complexidade Computacional e muitas outras áreas. Por exemplo, na visão de Wolfram (ou melhor Ed Fredkin), o universo poderia ser um gigantesco automato celular, e toda complexidade que observamos ser resultante de um conjunto de regras simples. Infelizmente, a maioria do que ele apresenta é especulativo e baseado em induções lógicas, e não em evidências experimentais. Ele não propõe sugestões para experimentos que permitam verificar suas idéias, e nem ao menos propõe previsões fundamentadas nos seus modelos. Inclusive, muitas vezes ele diz que seu modelo jamais poderia ser verificado.

O livro culmina após cerca de 1000 e poucas páginas (que não são de difícil leitura) no Principio da Equivalência Computacional. A idéia é que todo e qualquer processo, por mais complexo que ele seja, é sempre no máximo tão complexo quanto programas numa máquina de Turing (isto é, o seu PC por exemplo). Ou seja, qualquer processo pode ser simulado por uma máquina de Turing (isto é, seu PC). Apesar de Wolfram propor este princípio como uma descoberta gigantesca, e que todos outros cientistas dormiram no ponto, a idéia já foi explorada por cientistas da computação conhecidissimos, como Von Neumman, que estabeleceram a equivalência computacional de diversos modelos de computação. Wolfram acrescenta o forte termo qualquer processo. Essa idéia também não é tão nova, e está presente na pesquisa de fenômenos caóticos e sistemas complexos.

Entre as diversas excentricidades do livro, a maior é sem dúvida a ausência de uma bibliografia. Aqui e ali, especialmente nas 350 páginas de notas técnicas, ele menciona alguns nomes. Mas na maioria das vezes omite os autores de diversas idéias, e pela sua forma de apresenta-las, ficam parecendo que foram suas próprias. Para o cientista treinado em qualquer uma das diversas áreas abordadas é fácil identificar onde estão as "novas" idéias, no entanto, identifica-los para as outras áreas não é possível. Talvez, bancando nisso, o livro omita a bibliografia.

O livro foi precedido por uma intensa e misteriosa campanha publicitária, onde algumas páginas eram apresentadas, aquelas onde se prometia uma revolução na ciência, e o lançamento adiado 3 vezes. Infelizmente, para a expectativa que gerou na comunidade científica, o resultado foi muito decepcionante, para dizer o mínimo. Várias falácias e fraquezas nas idéias apresentadas já foram expostas em artigos e resenhas. Inclusive, o modelo de automato celular para Física viola alguns princípios experimentais da Física Quântica, portanto não pode ser verdadeiro (veja Aaaronson, S., que por acaso estuda ciência da computação aqui em Berkeley).

O que fica do livro? Além da ótima edição e acabamento, o livro é uma leitura agradável, caso o leitor seja tolerante com a egolatria do autor. De certa forma revisa muitas das idéias que formam modelos centrais na ciência moderna. A área de complexidade e computação física (modelos computacionais para Física) são objetos de pesquisa intensa, pois a promessa de uma nova forma de compreender o mundo se encontra ali (ao menos na minha opinião). Além disso, se trata de um livro excêntrico pela quantidade de informação e metodologia. Vale uma lida. E leiam a opinião embasada de cientistas respeitados com críticas científicas as idéias apresentadas.

PS: Uma das teses de Wolfram é que cientistas com inveja iriam atacar o livro porque na verdade não entendem o conteúdo. Um absurdo, uma vez que todas as falhas apontadas são cientificas. Mas para o homem médio, é obvio que soa verdadeiro. Há um certo charme em acreditar que este gênio precoce e independente descobriu uma nova ciência, mandando todos os cientistas às favas. O mais espetacular é que Wolfram afirma que o livro é tão complexo que irão levar muitos anos para compreende-lo. Ao menos para mim, este não é o caso com a maioria das idéias. De certa forma, funciona para o leitor não científico como uma forra, já que ele sente que pode compreender a nova ciência sem necessidade de preparo acadêmico. A realidade é outra. Para aplicar os modelos propostos por Wolfram à realidade observada se exige um alto grau de conhecimento. Infelizmente seus modelos são puramente especulativos e eu acredito que são poucos os que irão vingar. E mesmo assim, modelar Física através de CA's é idéia velha, da década retrasada. Então, não criem o culto a personalidade, mas sim aceitem o método científico. Que foi aceito por Gauss, Einstein, Newton e Darwin ao deixarem suas idéias serem julgadas pela comunidade científica.